A tipificação constante do art. 33, caput da Lei n.º 11.343/06 visa atingir aquele que objetiva, ao praticar quaisquer um dos seus dezoito núcleos, distribuir a droga. Essa é a interpretação lógica que deve conduzir o intérprete quando se fizer a leitura do referido tipo penal.
Muito embora seja o referido tipo penal denominado como “tráfico de drogas”, o referido epíteto não contempla toda a extensão da incriminação, porque pode haver a tipificação da conduta até mesmo daquele que a distribui gratuitamente a droga (sem a cobrança de qualquer valor ou preço).
Isso não significa dizer que é sempre que o agente incorrer nas condutas previstas no referido tipo haverá a tipicidade objetiva. É necessário, pois, avaliar se há possibilidade de o bem jurídico tutelado pela norma possa ser colocado, no mínimo, em perigo de lesão.
Não se olvida que, por meio do referido tipo penal, a lei criou um crime de perigo abstrato, o qual, com efeito, consiste em espécie de figura típica em que não há, como elementar, a previsão do perigo de dano ao bem jurídico, presumindo que, com a prática de um dos núcleos do tipo, já enseja uma probabilidade do perigo (ou possibilidade do dano).
Porém, é preciso avaliar se, no caso, essa possibilidade de dano é factível, isto é, pode, de fato, ocorrer.
Assim, é perfeitamente cabível a incidência do crime impossível (art. 17, CP) nas imputações de tráfico (art. 33). Traz-se, como exemplos, as seguintes situações:
O meio que o agente escolheu para praticar a conduta prevista no tipo é absolutamente inidôneo para se conseguir a distribuição da droga, principal resultado que a lei quer evitar com toda a plêiade de incriminações.
Ocorrerá também crime impossível quando a quantidade de droga apreendida pelo agente for insuficiente para a caracterização da dependência e, assim, ser impossível qualquer possibilidade de dano à saúde de alguém.
Então, se a quantidade é insuficiente, demonstrada por perícia, para gerar dependência num único agente, não se pode afirmar que a conduta típica poderá colocar em risco de lesão à saúde pública.
3 Cf. Apelação Criminal n. 70056160948 julgada pela 3.ª Câmara Criminal do TJRS (numeração do CNJ 0340721-57.2013.8.21.7000), Terceira Câmara, Rel. Des. DIÓGENES V. HASSAN, j. em 17.10.2013.
Dessa forma, muito embora se trate de um crime de perigo abstrato, que presume a probabilidade do risco tão-só com a prática de uma das condutas típicas, isso não significa dizer que todo resultado é presumível, pois, se a Defesa conseguir demonstrar que, no caso, jamais de conseguiria a distribuição, não há resultado relevante para o direito penal.
Não seria o caso de aplicação do princípio da insignificância, entretanto. Entende-se que esse princípio somente é aplicado para os crimes de lesão, já que a sua configuração pressupõe um dano ao bem jurídico tutelado pela norma penal, porém, sem significação social.
Essas são as considerações, no que se refere à tipicidade objetiva.
REFERÊNCIAS BÁSICAS
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