Escritório

Considerações a respeito da causa especial de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33 da lei 11.343 / 06.

Por um critério de política criminal, a Lei n.º 11.343/06, certamente levando em conta a ineficácia da pena de prisão, resolveu punir, com menos severidade, o traficante de primeira viagem, parafraseando a expressão de Guilherme de Souza Nucci (2013, p. 327).

Criou a referida lei, no §4º do art. 33 da Lei n.º 11.343/06, uma causa especial de diminuição de pena (incidente na terceira fase da fixação da pena), com a possibilidade de redução da sanção penal se o agente for primário, de bons antecedentes, não se dedique[car] às atividades criminosas e nem tampouco integrar organização criminosa.

Sobre a primariedade, a lei não traz qualquer conceito a respeito. É, por exclusão, entendido como a ausência de reincidência (arts. 63/64, CP).

Por uma interpretação lógica, somos conduzidos a concluir que a reincidência deve ser específica, nos tipos aludidos expressamente no art. 33 da lei (“tráfico de drogas”). Sim, porque se se quer vedar a redução da pena levando em consideração

Propõe-se, portanto, como critério interpretativo de correção da desproporcionalidade no tratamento punitivo de condutas objetivamente idênticas, mas díspares no que tange à ofensividade ao bem jurídico, a necessidade de especificação dos elementos subjetivos de ambos os tipos penais, seja no art.33 como do art. 28 da Lei 11.343/06.

O raciocínio deve ser realizado de forma negativa, invertendo-se os rumos tradicionais da doutrina e da jurisprudência dominantes durante a vigência da Lei 6.368/76.

Desta forma, em havendo especificação legal do dolo no art. 28 da Nova Lei de Drogas (especial fim de consumo pessoal), para que não ocorra inversão no ônus da prova e para que se respeitem os princípios constitucionais de proporcionalidade e de ofensividade, igualmente deve ser pressuposto da imputação das condutas do art. 33 o desígnio mercantil.

Do contrário, em não havendo esta comprovação ou havendo dúvida quanto à finalidade de comércio, imprescindível a desclassificação da conduta para o tipo do art. 28 (CARVALHO, 2010, p. 212). Sinaliza-se pensar no mesmo sentido, embora sem invocar qualquer fundamentação teórica, Guilherme de Souza Nucci, assevera sobre o Elemento subjetivo: é o dolo. Não há elemento subjetivo específico do tipo, nem se pune a forma culposa. Em nosso entendimento, deveria haver uma finalidade específica para o tráfico, consistente na intenção de comercializar drogas ilícitas (NUCCI, 2013, p. 312)

Justamente o fato do agente não ter envolvimento com a distribuição da droga, essa seria a interpretação mais adequada para o referido tipo. Muito embora possa se argumentar que a reincidência é um fator que não deveria incidir como requisito da imputação punível (ou como critério de exasperação da pena), já que a sua aplicação afasta de um direito penal do fato, cujo objetivo é a proteção de bens jurídicos, e se alinha à concepção punitiva sobre as características e o passado do próprio agente (direito penal do autor), o plenário do STF, no RE n.º 473.000, entendeu que a reincidência é constitucional e, portanto, deve ser utilizada como agravante.

Logo, a discussão quando o assunto for sobre a legitimidade da reincidência, parece estar superada. Quanto aos antecedentes criminais, a lei também não estabelece qualquer conceito.

Seria, assim, por exclusão, qualquer condenação, transitada em julgado, que não gerasse a reincidência. Obviamente, seguindo-se a linha do que foi acentuado acima, os antecedentes devem ser específicos, sendo a condenação em quaisquer dos tipos referidos neste dispositivo.

De acordo com o entendimento do STJ (Súmula n.º 444), inquéritos policiais em andamento ou ações penais em curso não podem servir para exasperar a pena-base, quando da análise pelo juiz das circunstâncias do art. 59 do CP.

Assim, pelo mesmo raciocínio, se não é possível o aumento da pena em razão de outros fatos, porque processualmente indefinidos, não haveria qualquer lógica ser a mesma situação aplicada para se negar a diminuição da pena pela incidência da minorante do §4º do art. 33.

Contudo, o próprio STJ tem permitido a consideração de inquéritos e ações penais em curso para se afastar a aplicação da minorante, em manifesta contradição à lógica que dirigiu o raciocínio para a edição da Súmula7, que diz:

A divergência existente no âmbito da Terceira Seção do STJ consiste na possibilidade (ou não) de utilização de inquéritos e processos penais em tramitação para avaliar a possível dedicação do réu a atividades criminosas, de modo a afastar a causa de diminuição prevista no artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas. Enquanto a Quinta Turma entende plenamente possível a utilização de inquéritos e ações penais em andamento para afastar a causa de diminuição, a Sexta Turma tem entendimento oposto.

No entanto, no âmbito do STF, este assunto pode ser provocado para avaliar se a situação está compatível com o princípio constitucional da presunção da inocência e do devido processo legal.

Ainda no §4º do art. 33, o que seria o não se dedicar às atividades criminosas?

É bastante estranha essa expressão porque se o agente responde pela imputação de tráfico e, consequentemente, foi ela reconhecida, pelo menos, no momento dos fatos descritos na denúncia, se dedicou à atividade criminosa, pelo menos naquela oportunidade mencionada na imputação. Isto é, a incriminação das condutas tendentes à distribuição da droga cria o ilícito e instituem a criminalização dessa atividade, por decorrência lógica.

Então, numa tentativa de salvar a aplicação do referido dispositivo, propõe-se que ele seja interpretado no sentido de que o “modo de vida do agente não seja atividade ilícita sobre o tráfico”.

A Lei 11.343/06 inovou na ordem jurídica em diversos fatores, dentre eles, inseriu uma causa de diminuição de pena para o delito de tráfico de drogas e equiparados, prevista no § 4º do artigo 33.

Os requisitos cumulativos previstos para diminuição de pena são: i) primariedade; ii) bons antecedentes; iii) não se dedicar às atividades criminosas; iv) não integrar organização criminosa.

A inserção no ordenamento dessa causa de diminuição teve por escopo diferenciar aquele que não é dedicado a ilícitos penais, daquele que efetivamente se dedica ao tráfico de drogas com maior potencialidade lesiva à sociedade.

Assim, a regra não deve ser a aplicação da benesse de forma desmedida, mas sua aplicação somente deve ocorrer em casos singulares, quando preenchidos os requisitos, os quais merecem interpretação restritiva, de modo a prestigiar quem efetivamente mereça redução de pena.

É consabido que inquéritos e ações penais em curso não podem ser valoradas como maus antecedentes, de modo a agravar a pena do réu quando das circunstâncias judiciais avaliadas em dosimetria de pena na primeira fase, para fins de aumentar a pena-base.

Contudo, na espécie, não se trata de avaliação de inquéritos ou ações penais para agravar a situação do réu condenado por tráfico de drogas, mas como forma de afastar um benefício legal, desde que existentes elementos concretos para concluir que ele se dedique a atividades criminosas, sendo inquestionável que em determinadas situações, a existência de investigações e/ou ações penais em andamento possam ser elementos aptos para formação da convicção do magistrado.

Ademais, como os princípios constitucionais devem ser interpretados de forma harmônica, não merece ser interpretado de forma absoluta o princípio da inocência, de modo a impedir que a existência de inquéritos ou ações penais impeçam a interpretação em cada caso para mensurar a dedicação do Réu em atividade criminosa. Assim não o fazendo, conceder o benefício do artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/06 para aquele que responde a inúmeras ações penais ou seja investigado, é equipará-lo com quem numa única ocasião na vida se envolveu com as drogas, situação que ofende o princípio também previsto na Constituição Federal de individualização da pena.

Por fim, mister salientar que não se pretende tornar regra que a existência de inquérito ou ação penal obste o benefício em todas as situações, mas sua avaliação para concluir se o réu é dedicado a atividades criminosas também não pode ser vedada de forma irrestrita, de modo a permitir a avaliação pelo magistrado em cada caso concreto. (STJ – EREsp 1.431.091-SP, Rel. Min. Felix Fischer, por maioria, julgado em 14/12/2016, DJe 1/2/2017)

Significa, assim, que é necessário que tal imputação venha descrita na denúncia e que em relação a tal situação jurídica seja comprovada, na instrução processual pelo MP essa circunstância8. Do contrário, haveria violação da presunção de inocência, nos casos em que se o agente não demonstra que exerce uma atividade lícita.

Por fim, quanto à expressão integrar organização criminosa, pode-se, em primeiro lugar, utilizar o conceito do art. 1º da Lei n.º 12.850/13, independente se for o caso de sua aplicação, em observância do princípio da legalidade.

Não nos parece razoável impedir a aplicação da minorante sempre que houver a prática, também, do art. 35 da lei, pois, conforme será exposto abaixo, o concurso de crimes entre essa figura típica e o art. 33 constitui-se manifesto exemplo de bis in idem.

Ademais, não se pode dizer que sempre que ocorrer a tipificação do art. 35, consequentemente, haverá a configuração de uma organização criminosa. O vínculo associativo exigível para a tipicidade do art. 35 não exige qualquer estrutura ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, bastando que duas ou mais pessoas se associem para praticarem, conjuntamente ou não, quaisquer das condutas previstas nos arts. 33, caput e §1º, e 34 da Lei.

 

REFERÊNCIAS BÁSICAS
CARVALHO, Salo. A Política Criminal de Drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da Lei 11.343/06. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
GOMES, Luiz Flávio et al. Legislação Criminal Especial. In: GOMES, Luiz Flávio. SANCHES, Rogério (Org.). Coleção Ciências Criminais. 2. ed. São Paulo: RT, 2010. v. 6.
GUIMARÃES, Rodrigo Régnier Chemim. A “Fórmula Matemática” do Tráfico de Drogas e a Psicologia Cognitiva (Parte 1). (2015a). Disponível em <http://emporiododireito.com.br/a-formula-matematica-do-trafico-de-drogas-e-a-psicologia-cognitiva-parte-1-por-rodrigo-regnier-chemim-guimaraes/ >
GUIMARÃES, Rodrigo Régnier Chemim. Ônus da Prova no Tráfico de Drogas: a “fórmula matemática” do tráfico resiste por também desconsiderar a Crítica Hermenêutica do Direito (Parte 2) (2015b). Disponível em <http://emporiododireito.com.br/onus-da-prova-no-trafico-de-drogas-a-formula-matematica-do-trafico-resiste-por-tambem-desconsiderar-a-critica-hermeneutica-do-direito-parte-2-por-rodrigo-regnier-chemim-guimarae/ >
MENDONÇA, Andrey Borges; CARVALHO, Paulo Roberto Galvão. Lei de Drogas: Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 7. ed. São Paulo: RT, 2013. v. 1.
TAVARES, Juarez. Fundamentos de Teoria do Delito. Florianópolis: Tirantlo Blanc, 2018.